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Ler por aí

Ler por aí

15
Mar24

ainda sobre o tamanho...

Patrícia

Depois de mais de um mês embrenhada na leitura do Anna Karénina, de Lev Tolstoi, despachei o A estranha Sally Diamond, de Liz Nugent em três dias.

Atrevo-me a dizer que o A estranha Sally Diamond não se vai tornar um clássico nem sobreviver ao teste do tempo (e está tudo bem) enquanto o Anna Karénina vai continuar a ser lido, estudado e esmiuçado durante muito tempo. Mas se ambos tivessem sido escritos hoje, talvez fosse tudo diferente. Teria um livro como o Anna K. hipótese de ser publicado? Um livro de mais de 700 páginas, lento, lento e com metade da páginas a ser um tratado sobre… agricultura? Atrevo-me a dizer que não ou que não sem um corte gigante. O tempo de hoje é rápido, corre mais rápido que o tempo de antes e as leituras querem-se rápidas, imediatas. Lembro-me de ouvir o Zink (acho que foi ele, se não foi as minhas desculpas) a dizer que não havia qualquer razão para se publicar um livro com mais de 200 páginas e lembro-me de ter ficado meio revoltada. Adoro calhamaços. Mas compreendo agora. E claro que há excepções – veja-se o Uma pequena vida ou tantos livros de fantasia e FC – mas são de nicho ou de sorte. A grande maioria das apostas editoriais de hoje são de livros pequenos, do que eu chamo falsos calhamaços – livros com muitas páginas (papel de gramagem alta, letras aceitáveis e margens maravilhosas) mas de leitura rápida. Os poucos novos calhamaços que andam por aí são livros de autores consagrados que sabem que o podem fazer e que, não importa o tamanho, a malta compra mesmo que não leia.

06
Mar24

da abstenção

Patrícia

Hoje não vos venho falar de livros - ainda ando a ler, em doses homeopáticas (porque a vida teima em acontecer) o Anna Karénina - mas de eleições. Numa das eleições onde, parece-me, se vai discutir um governo voto a voto e se fala cada vez mais de voto útil, do método de Hondt e de círculos de compensação (sou absolutamente a favor, já agora) é necessário falar também de um tipo muito específico de abstenção.

Deixem-me recuar quase 40 anos e voltar à primeira vez em que entrei numa cabine de voto. Teria os meus 7/8 anos quando acompanhei o meu pai, doente de parkinson, no seu voto. Sabia eu e sabia toda a gente qual era o partido em que queria votar, era o partido em que votava deste o 25 de Abril, aquele que, não sendo militante, apoiava. Na altura eram distribuídos na campanha uns papéis que simulavam o boletim de voto, lembro-me de usarmos esses para que ele treinasse o voto, identificasse o símbolo do partido e votasse. A minha mãe, fervorosa apoiante da democracia, não quis, de forma nenhuma interferir e mandou-me com ele, para o apoiar fisicamente e dar uma ajuda. Ainda hoje me lembro onde a cruz foi feita e não foi, de todo, no partido que o meu pai apoiava. Ele ficou a achar que sim, que tinha sido, não me lembro se disse a alguém ou não, mas lembro-me perfeitamente de pensar que não era aquilo que ele queria. Felizmente o voto foi absolutamente desperdiçado (agradeçamos ao método Hondt por isso) portanto ficou tudo como devia ter ficado. Ao longo da vida vi gente a ir votar acompanhada, com o respectivo atestado médico que garantia a necessidade de ajuda mas na minha família sempre optámos por não o fazer. E falo no plural porque se antes a decisão foi da minha mãe, hoje é minha. Estas vão ser as primeiras eleições em que a minha mãe não vai votar. Estas são as primeiras em que eu sei que a sua capacidade de votar em consciência já não existe - e eu não faço a mais pequena ideia qual seria a sua escolha, já que nunca foi militante de nenhum partido, nem me considero com direito de por ela escolher.

Vai, por isso, contar para a abstenção. Mas isso não é justo, revolta-me o estômago e revoltar-lhe-ia o dela se disso tivesse consciência. Vai contar para abstenção exactamente como alguém que não se interessa pelos seus deveres cívicos, como alguém que não compreende, nem se interessa, pela luta que foi para ela votar e votar em liberdade.

Lá em casa sempre houve liberdade de voto. Posso dizer-vos que nem sempre soube em quem ela votou. Na verdade queria tanto não me influenciar que, quando mo dizia, só o fazia depois e não antes, do dia das eleições. Nunca me criticou por nenhuma das minhas escolhas e sempre me disse que o voto era secreto, uma decisão minha e que devia ser tomada em consciência porque seria eu quem sofreria as consequências dessa decisão. Incutiu-me uma fervorosa crença na democracia e mostrou-me que votar não era apenas um direito mas um dever. 

E este domingo vai contar para a abstenção. Não é justo.

21
Fev24

45 Feeling 83

Patrícia

Dizem que a idade que importa é aquela que sentimos cá dentro. E tenho que admitir que não sinto os 45 anos que faço hoje (escusam de me dar os parabéns, este post não está a ser publicado no dia do meu aniversário, foi escrito nesse dia mas agendado para uma data aleatória, sem qualquer significado). Como costumo dizer #45feeling83. Claro que depende dos dias, há altura que ainda me sinto com 16 mas 99% do tempo é mesmo com 83 e uma vida a pesar-me cada passo. Acho que nunca gostei do meu aniversário - não confundam com algum problema em ficar mais velha - isso incomoda-me bola) - desde pequena que é um dia triste. Mas pior que ser um dia triste é um dia em que tenho que fingir alegria. E eu detesto fingir alegria. Fiz muita questão que a maioria dos meus amigos se esquecesse da data, nunca publiquei a data do meu aniversário nas redes sociais e consegui depurar ao máximo os "parabéns" vazios de significado. Dar-me os parabéns já é um esforço consciente de muitos - desculpem, não são vocês, sou eu. 

Nunca tentativa de fazer com que nunca mais tivesse que fazer um jantar de aniversário (uma vez uma grande amiga obrigou-me e passei todos o tempo a jurar a mim mesma que nunca mais iria fazer tal frete) decidi casar na mesma data - e agora tenho a desculpa perfeita para ir para fora neste dia. O universo castigou-me de tal forma que nem de lua-de-mel consegui ir. E no primeiro aniversário de casamento não chegámos ao comboio, uma gastroenterite (coisa que nunca mais entrou nesta casa) tratou do assunto. O que me deixa feliz é que o casamento se mantém há 14 anos (e nem sentimos o tempo a passar). Mas já não existem expectativas para comemorações. Aliás, há anos que nos recusamos a fazer marcações do que quer que seja, não há plano que funcione, preferimos apanhar o azar desprevenido.

 

 

14
Fev24

feliz dia dos namorados

Patrícia

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Imagem da campanha da APAV
 
Linha de apoio à vítima – 116 006

Os resultados do Estudo Nacional sobre Violência no Namoro 2024 apresentado hoje são, do pouco que já li, assustadores. Como é possível que em 2024 estejamos, continuemos ainda, a ter este género de comportamento, de legitimação da violência, da normalização do controlo ou do ciúme. Fala-se de “amor” enquanto estes estudos (e a realidade) demonstram que estamos a regredir.

Depois de ler esta entrevista a Margarida Pacheco, Coordenadora do projeto ART’THEMIS+, um programa de prevenção da violência de género na escola, da Associação UMAR, sabia que tinha que vos sugerir ler e reflectir sobre tanto do que aqui se diz.

Vou pegar num ponto desta resposta “Aquela coisa de incentivar as crianças a dizer quantas namoradas os meninos têm no jardim de infância é muito errada” e voltar àquele que é o meu tema recorrente neste dia de são Valentim: Não, as crianças não têm nada que celebrar o dia e terão mais que tempo de o fazer quanto tiverem idade para namorar.

De que forma é que essa violência e do amor romântico estão presentes no dia a dia? Deu o exemplo do cinema, por exemplo.
A questão do amor romântico está presente tão cedo nas nossas vidas… quando começamos logo a dizer às meninas que elas são princesas e precisam de um príncipe, por exemplo. E também logo para a questão de heterossexualidade, temos sempre esta ideia, que as crianças vão ser sempre pessoas heterossexuais. Sei que ainda é muito difícil na nossa cultura portuguesa incentivar a educação inclusiva no sentido de “atenção que há crianças que não são e não vão ser heterossexuais”, há a ideia que o casamento é um objetivo para as meninas e não é para os meninos. Não há mal algum no casamento, mas se falarmos de casamento, por que é que falamos mais para as meninas do que para os meninos? Fazemos logo aqui uma diferença muito grande. Que para os meninos é importante terem um emprego muito bom, e para as meninas é “vocês podem estudar” - aliás, há mais mulheres no ensino superior - mas, depois, chega uma certa idade e o objetivo é ser mãe e casar. Sei que as pessoas não fazem por mal, é a nossa sociedade, a nossa cultura, é aquilo que nos é ensinado. Temos que seguir aqueles passinhos: ir para o ensino superior, namorar, casar, ter filhos… Atenção com a idade, pois também ser uma mãe muito jovem é muito mal visto, mas ser mãe muito mais velha também é muito mal visto. Aquela coisa de incentivar as crianças a dizer quantas namoradas os meninos têm no jardim de infância é muito errada. As pessoas não fazem por mal, mas já estamos a sexualizar as crianças e temos muito este debate da educação sexual nas escolas - que é um direito e não um dever - nada tem que ver com sexo ou relações sexuais, tem que ver com a nossa sexualidade. O consentimento, a comunicação, o aceitar o nosso corpo, dizer sim, dizer não… As pessoas que dizem que não acham que a educação sexual deve ser realizada em crianças, muitas vezes são as mesmas pessoas que perguntam quantos namorados ou namoradas tens. É um comportamento contraditório.
11
Fev24

como ser feliz no carnaval

Patrícia

Desde que me lembro de ser gente que não gosto do carnaval. Mesmo quando a minha mãe me arranjava máscaras giríssimas, eu lembro-me de não estar feliz. Acho que nunca gostei de alturas em que fosse obrigada a estar feliz por decreto. Essa obrigação sempre exacerbou a minha tristeza. Tento nascido numa terra em que o carnaval é parte da cultura e nos está nos genes (acho que tinha dias a primeira vez que fui à Batalha das Flores) sempre fui um ser estranho naquele meio. Não tenho uma memória feliz do Carnaval propriamente dito mas tenho várias daqueles dias. Carnaval para mim não é sinónimo de brincadeira e alegria mas é sinónimo de...regueifa. Sim, leram bem, regueifa. Eu explico. Passava sempre o Carnaval na casa da minha avó, era uma espécie de tradição familiar encontrarmo-nos todos por lá.  E no dia de carnaval o meu tio trazia sempre regueifa para todos. Chegar a casa no domingo de carnaval à tarde e comer regueifa com manteiga era já uma tradição e nunca deixo de lembrar dele nestes dias ou quando como regueifa (a que sempre chamei pão doce mas isso é outra história). 

Carnaval para mim não é sinónimo de folia, bailes ou máscaras.  Carnaval para mim é sinónimo de...livros. Eu explico. Ir à Batalha das Flores, assim se chama o Carnaval de Loulé, era quase uma obrigação. A minha mãe chateava-me a moleirinha para ir com ela ver passar o corso à avenida. Como uma tia minha minha morava num apartamento cuja varanda dava para a dita avenida era para lá que íamos. Eu nunca me esquecia de um livro. Enquanto elas se debruçavam na varanda a ver passar os carros alegóricos, eu mergulhava num qualquer mundo enrolada no sofá. E assim passava a tarde a ser feliz com os meus livros. 

06
Fev24

esse vai para a lista

Patrícia

Sempre que tenho um fim de semana em que não tenho oportunidade de ler – tempo tenho, opto é por fazer outras coisas – sinto sempre que não ando a ler nada de jeito. Sei lá, é mais forte que eu e este foi um fim de semana de muita outra coisas e pouca leitura – umas páginas antes de adormecer de kobo na mão e óculos na cara. Mas andar a ler pouco não significa que tenha menos vontade de ler…tudo. (Sim, é nesta altura que imagino o José Rodrigues dos Santos a dizer “Tudo, elas querem ler Tudo”)

Acho que isto é algo com o qual a grande maioria dos leitores se identifica – esta vontade ler mais do que conseguimos – e que pode criar uma certa ansiedade. Se eu fosse uma pessoa de listas (que não sou, a não ser que contemos com a lista imaginária de que falo quando digo “esse vai para a lista” ou “esse está na lista”) a minha lista de livros que “quero muito ler” seria interminável e uma constante fonte de ansiedade. E olhando para o grupo de whatsapp da malta dos livros, não sou a única a ficar cheia de vontade de ler tudo e acabar por ler quase nada.

As redes sociais não ajudam – estamos constantemente a ser bombardeados por novos lançamentos, re-lançamentos, pré-lançamentos e opiniões que nos fazem tirar notas (mentais) e salivar por mais uma leitura. 

28
Jan24

De que falamos quando falamos de amor, Raymond Carver

Patrícia

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Costumo dizer que sou leitora de calhamaços, não de contos, gosto de passar tempo com os personagens e de mergulhar na história. Mas quando uma amiga da Roda dos Livros me ofereceu este livro - especial porque veio da estante dela e, sendo ela uma leitora de contos, é um dos seus favoritos - sabia que tinha que lhe dar uma oportunidade. 

Rapidamente percebi que estes são contos muitos visuais e absolutamente depurados. Rapidamente conseguimos visualizar o ambiente, as personagens e o ambiente onde estas histórias se passam. 

Alguns dos contos são apenas cenas pouco memoráveis, não especialmente felizes e que retratam o quotidiano de uma América triste e violenta. Mas outros marcam e chocam. 

Apesar do conto que deu nome ao livro ser bastante interessante e aquele com maior potencial para discussão - trata-se afinal de uma discussão sobre o amor, aquilo que este sentimento representa para cada um de nós e o caso muito específico de "ele batia-me mas era amor" - mas são os "vou dizer às mulheres que vamos sair" e "Tanta água, tão perto de casa" que pela sua violência inesperada (e apresentada de uma forma quase banal) me atingiram mais.

25
Jan24

Notas soltas

Patrícia

Ando há uns dias para vir aqui escrever um post sobre o tempo, a falta dele e a forma como tenho a certeza que um minuto nem sempre é um minuto, como nem todas as horas têm os mesmos minutos ou como a percepção é uma coisa engraçada. Não me saiu nada de jeito, deixo a aqui a ideia, já perceberam, fica feito.

Ando um bocado perdida nas leituras, depois de ter conseguido reduzir a lista de livros em andamento a 1, The blue between Sky and Water, da Susan Abulhawa, voltei a enfiar-me num poço sem fundo e comecei a ler o Anna Karénina e o The Blind Assassin, da Atwood. Razões como "apeteceu-me" não chegam para justificar esta loucura mas é o que temos. O resultado? Todas as leituras se vão arrastar no tempo. Eu não era esta pessoa mas a trindade livro físico/ebook/audiobook trocam-me as voltas e dá nisto. 

O que se está na passar com a atribuição dos prémios Hugo é mais um sinal do fim dos tempos como os conhecemos. Em Portugal pouco se tem falado deste escândalo (ainda não vi nenhum artigo nos media portugueses - se estiver enganada, óptimo, deixem-me aqui o link, por favor), fico na dúvida se o silêncio é porque a FC e a Fantasia são géneros menores ou se é melhor não chatear os senhores chineses. Afinal, vivemos em tempos em que, desde que o dinheiro escorra, os regimes são fofinhos, não é? 

E a IKEA? Confesso, ri-me. Compreendo as críticas à campanha publicitária mas não acredito que a empresa vá perder muitos clientes, saia prejudicada na sua imagem por causa disto (em PT não temos a tradição de ter boa memória) ou que alguém deixe de votar naquele partido por causa disto - eu sei que acabei de dizer que não temos a tradição de ter boa memória mas porra, isto aconteceu ainda agora, não só ninguém se esqueceu como na campanha não se vai falar de outra coisa. E não há uma boa forma de "encaixar" este género de coisa. Acho que o menos mau seria o silêncio.

E por falar em eleições, estamos lixados, não é? 

Enfim, temas mais interessantes. Tive uma bela conversa numa rede social onde (ainda) se pode discordar sem insultos sobre o sentido que faz, ou não, escolher os livros pelo género dos escritores. Ainda hei-de cá vir escrever um (provavelmente) longo post sobre o assunto, que me interessa bastante. Fica a promessa.

 

17
Jan24

Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos, de Olga Tokarczuk

Patrícia

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Não sei quanto a vocês, mas acho o título deste livro lindíssimo. A frase é de William Blake, autor que a protagonista (Janina Duszejko) traduz em parceria com Dyzio, e imediatamente põe-nos no mood certo, na atmosfera do livro, meio negro mas cheio de vida ao mesmo tempo.

Este não é um livro comum. Nem são comuns os protagonistas (uma mulher dos seus 60 e tal anos), nem o ritmo (estranhamente lento para um policial – mas poder-se-á classificar este livro como policial? Nem sei) ou o conteúdo (confesso que estranhei e até me custou ler todas as páginas dedicadas à astrologia). Mas é um livro muito bom, que se lê com uma facilidade surpreendente (sim, sim, ainda sou daquelas que acha que os Nobel são acima de tudo complicados e chatos – que bom que por vezes a realidade me contradiz) e que nos interessa quase sempre. Digo “quase sempre” porque a parte da astrologia…bem, digamos que me enfadou de morte.  Mas passemos à parte boa.

A premissa desde livro é simples.  Terão mesmo sido os animais a matar, como a nossa protagonista insiste em dizer? Duszejko, não a tratemos por Janina já que ela não gosta, vive na solidão da montanha, cuidando de casas de veraneantes durante o inverno, dando aulas de inglês às crianças da cidade e traduzindo William Blake com um dos seus poucos amigos, Dyzio e assumindo-se como protectora dos animais e da natureza, respeitando-os e aceitando-os como iguais, ao ponto de acreditar que são capazes de matar, de se unir em prol da vingança. É sempre através dos seus olhos, da sua voz, do que nos quer contar, que conhecemos os outros moradores desta cidade, geralmente através de uma alcunha bem atribuída.  Quando o Pé Grande morre engasgado com um osso de corça, e logo depois um outro corpo é encontrado morto num local marcado por patinhas de corça, Duszejko desenvolve a teoria de que os bichos se estão a vingar dos seus caçadores.

Não vos vou falar muito mais sobre a história deixando-vos descobri-la através da leitura. Mas vou falar um pouco sobre caça, não resisto.

Sou de uma aldeia e a maioria dos meus amigos de infância são caçadores. Não pude deixar de sentir empatia com a nossa protagonista porque também eu lhes chamei assassinos muitas vezes. Eu percebo a necessidade da caça (não me faz confusão que se cace para comer e o desequilíbrio que provocámos na natureza faz com que seja necessário o controle dos animais na natureza – seja através do abate ou da reposição), o que eu não percebo é o prazer do caçador. Não percebo a exposição de troféus, o orgulho na matança. E repugna-me (como aliás a muitos caçadores que conheço e com quem tive oportunidade de discutir o assunto) a existência de reservas de caça que mais não passam de matadouros a céu aberto, e que servem para convencer uns papalvos de que são “caçadores de caça grossa”. Aqueles tipos que precisam de ir abater animais de grande porte que estão habituados a ser alimentados quase à mão (e que em vez de fugirem dos humanos, aproximam-se deles devido ao condicionamento que sofrem) não conseguiriam sobreviver da caça se disso dependessem. E são umas bestas.

Voltando ao enredo do livro, tenho que admitir que o final é bastante previsível, mas, ao contrário do que se poderia pensar, isso não retira interesse às últimas páginas

Esta foi uma óptima primeira leitura do ano.

02
Jan24

O que nos trará 2024? Mais censura?

Patrícia

2023 trouxe-nos mais livros proibidos, censurados, rasurados. Recomendo esta lista de livros proibidos em escolas ou estados norte-americanos para quem acha que este é um problema de somenos importância. Confesso que cada vez que vejo uma lista destas (e tem sido demasiado recorrente) fico bastante assustada, triste e sem esperança no futuro. E nem o “o fruto proibido é o mais apetecido” me tira este sentimento de derrota.

Censurar, banir, livros e negar, a crianças, o direito de os lerem devia ser considerado “maus-tratos” mas a verdade é que são pseudo-educadores que o fazem. É irrelevante a possibilidade das crianças terem acesso a esse livro fora da escola ou em adultos. Se em casa lhes é ensinado que os livros banidos são, afinal, leituras interessantes e importantes, então a confiança na escola, no conhecimento e aprendizagem fica abalada para sempre. Se em casa, essa censura é apoiada, então está a ser sonegada a esta miudagem a oportunidade de aprender sobre diferença e liberdade. Porque todos os livros banidos são sobre diferença e liberdade. E eu já não caio na asneira de achar que isto é só maluquice dos americanos. Isto cai-nos em cima num instante. E mesmo que seja apenas por lá, isso vai-nos cair em cima num instante.

Dizer que um livro não é adequado a uma determinada idade é uma coisa – para isso servem os livros recomendados – mas isto é outra coisa. Isto é uma tentativa muito óbvia de manipulação de massas. A literacia, o conhecimento e a capacidade crítica são as armas mais importantes em qualquer sociedade.

É verdade que a “limpeza” (não, não vou usar a palavra “branqueamento”) que está a ser feita a alguns livros não está a ajudar. Sou toda a favor de mudarmos a linguagem, de não usar determinadas expressões que já não são aceitáveis hoje em dia, pela carga histórica que carregam, pelos preconceitos que perpetuam e pela mágoa que causam. Isto para mim é apenas respeito pelo próximo. Mas não poso concordar que se reescreva nem a História nem os livros – interpretar (quer a História, quer os livros), analisar, identificar os erros para que não os repitamos. Usar o passado para melhorar o futuro e não o contrário.  

Quero acreditar que nós, leitores, teremos uma palavra a dizer (bem, no próximo dia 10 de Março, teremos certamente e não é irrelevante a escolha) sempre que comprarmos um livro, que oferecermos um livro, que divulguemos um livro. Ler está a tornar-se uma forma de resistência. Aliás, ler é hoje, como sempre foi, uma forma de resistência.

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